
Vista interna da parte frontal do Conjunto da Pupuleira (Fonte: IPAC 1983)
Pesquisa da UFBA identificou a existência de um cemitério de pessoas escravizadas do século 18 no estacionamento da Pupileira, da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, em Nazaré. As escavações para comprovar a descoberta da doutoranda Silvana Olivieri do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA têm início nesta quarta-feira, 14 de maio – data que marca a "Revolta dos Malês", maior revolta de escravizados da história do Brasil, ocorrida em Salvador.
Estima-se que o local seria o primeiro cemitério público de Salvador e que teria funcionado por cerca de 150 anos, com sepultamentos de pessoas historicamente marginalizadas, entre elas, milhares de escravizados, insurgentes e descendentes. Líderes de revoltas e insurreições negras, como Búzios e Malês, além de outros movimentos revolucionários, teriam tidos seus corpos sepultados no local, de acordo com a pesquisa de Silvana Olivieri.
Para a descoberta - que reconstrói saberes de um período colonial que ainda abriga muitos silenciamentos e apagamentos históricos -, a arquiteta e urbanista Silvana Olivieri reuniu mapas e plantas de Salvador do século 18, além de mergulhar em referências bibliográficas de historiadores como Braz do Amaral (1917), Consuelo Pondé de Sena (1981), e um livro escrito em 1862 por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa.
Os estudos arqueológicos voltados para a confirmação da descoberta seguirão ativos de 13 a 22 de maio. Nesta fase, também serão realizadas atividades de reparação simbólica conduzidas por diversas religiosidades negras do candomblé - em suas variantes étnicas, islâmicos e cristãos. Um ato inter-religioso foi convocado no estacionamento da Pupileira, na quarta-feira, 14 de maio, às 10h, coincidindo com a data da execução de líderes da Revolta Malê.
A UFBA constituiu uma Comissão para o acompanhamento e apoio às iniciativas voltadas para o resgate e a salvaguarda do cemitério. De acordo com a pesquisadora e o coordenador do Programa Direito e Relações Raciais, da Faculdade de Direito da UFBA, Samuel Vida, o cemitério pode se constituir num dos maiores acervos de remanescentes humanos de pessoas negras escravizadas das Américas, com estimativas que podem chegar a mais de 100 mil pessoas sepultadas ao longo do período em que esteve em atividade. Conforme relatam, os sepultamentos costumavam ser indignos, em valas comuns e superficiais, sem cerimônias religiosas ou ritos fúnebres. Assim, para Silvana Olivieri e Samuel Vida, a pesquisa e suas descobertas buscam resgatar uma importante parte da história negra da cidade de Salvador.
Comissão da UFBA
A UFBA constituiu uma Comissão para o acompanhamento e apoio às iniciativas voltadas para o resgate e a salvaguarda do cemitério. Os pesquisadores da Universidade sugeriram a realização de uma reunião formal com representações das diversas tradições religiosas negras para escutar suas percepções sobre a iniciativa e buscar suas orientações sobre como proceder nesta fase inicial, além de sugerir a construção de um diálogo permanente para buscar as melhores formas de reparação espiritual e restituição da dignidade e honra dos milhares de enterrados, sem os devidos cuidados e ritos a que tinham direito.
O Ministério Público Estadual, através de Alan Cedraz e de Lívia Vaz, encampou a proposta e convocou a reunião, que foi realizada no dia 08 de maio, quando o órgão estatal do sistema de justiça buscou o diálogo respeitoso com as tradições religiosas negras para orientar as ações a serem realizadas, em conformidade com as visões de mundo e as formas sociais e civilizatórias destes grupos. A Secretaria Municipal da Reparação de Salvador também se engajou neste esforço.
Na reunião também foi definido que, ao longo da continuidade das pesquisas, deverão ser adotadas outras medidas de reparação espiritual, em consonância com as diversas tradições religiosas negras, sempre sob a condução e orientação das lideranças religiosas envolvidas no processo; além da necessidade de intensificar os esforços para que as instituições públicas assumam as suas responsabilidades e se integrem ao esforço de resgate e salvaguarda do cemitério dos africanos de Salvador.
As escavações serão coordenadas pela arqueóloga e antropóloga Jeanne Dias. Após a finalização da etapa de prospecção arqueológica, a partir dos dados iniciais levantados, serão realizadas outras conversas para pensar o futuro desta descoberta, a continuidade das pesquisas e as medidas de natureza reparatória que deverão ser adotadas nas diversas esferas: patrimoniais, históricas e espirituais.